Cinco coisas a que você não é obrigado: dicas para escritores iniciantes

Érika Batista
8 min readSep 25, 2021

Quando a gente começa a escrever, por vezes toma os outros livros como referência, e pode ser que a gente interprete mal algumas coisas ou considere obrigatórios certos elementos que não o são, e que, quando usados em excesso ou sem necessidade, têm potencial para estragar o texto.

Assim, farei aqui um ranking das cinco coisas em que, quando lia muitos livros de iniciantes e fanfics nas plataformas online (Wattpad, Nyah, etc.), observei o pessoal pesar a mão às vezes. A lista está organizada em ordem decrescente, do ponto mais óbvio para o, talvez, mais polêmico.

5. Acabar e começar os capítulos com o personagem indo dormir/acordando

Nossa, eu fazia muito isso na adolescência. Por anos, eu e uma amiga escrevemos uma espécie de fanfic eterna de Harry Potter, e a gente encerrava os segmentos colocando os personagens para dormir. Cheguei a transportar isso para alguns dos meus livros. Ok que em um deles até deu certo, mas porque o livro se chama 7 dias perdida com o inimigo, e desde o início a intenção era escrever cada capítulo fechando um dia. Mas, em muitos casos, talvez na maioria, esse recurso dá um cheiro de amadorismo ao seu livro.

Um capítulo deve fechar uma ideia. Na verdade você até pode picotar uma ideia em dois ou três capítulos, se um acontecimento se desenvolver em fases. Por exemplo: vou escrever sobre como o pirata chegou à ilha do tesouro, encontrou o local indicado no mapa e o desenterrou. Temos aqui três acontecimentos. No primeiro capítulo, posso descrever ele no barco, avistando a ilha e desembarcando lá; no segundo, fazendo o caminho do mapa até achar o X; e, no terceiro, desenterrando o tesouro. Cada capítulo englobará um desenvolvimento próprio e, de preferência, acabará num trecho que faça o leitor ter vontade de virar a página e continuar lendo imediatamente. Uma frase impactante ou enigmática, um achado, um personagem novo aparecendo… São inúmeras as formas de despertar o interesse do leitor pela continuidade do texto. Botar seus personagens para nanar, infelizmente, não é uma delas.

4. Fazer a descrição física completa dos personagens

“Meu nome é Fulana de Tal, e eu sou loira, alta, aproximadamente 1.82, 60kg, corpo em formato de violão, olhos azuis miosótis que ficam levemente esverdeados conforme a incidência da luz solar, cabelos lisos como seda, com três cachinhos na lateral esquerda, uma pinta no ombro direito, e essa é a história da minha vida”.

Amigos, não. Apenas não.

Sim: é outro erro que também já cometi. Ocorre que o leitor não lembra todos esses detalhes. Ou então o personagem se torna tão específico que fica difícil associá-lo a uma imagem, e às vezes fica difícil se identificar com ele também. É claro que tem leitor que gosta mais de descrições, mas, via de regra, é bom deixar uma elasticidade para que o leitor possa modelar a imagem do personagem um pouco à sua maneira.

Não é que você não possa colocar no texto todas essas informações sobre seu/sua personagem, mas não jogue tudo de uma vez. Tente entrelaçar as informações no contexto. E, principalmente, não coloque essa ficha toda na sinopse, que deve primar pela concisão, isto é, deve ser um resumo bem objetivo e sem spoilers da sua história.

Sobre descrição de aparência de personagem, eu recomendo este texto, cuja autora tratou do assunto com bastantes detalhes e foi bem feliz nas suas colocações.

3. Enrolar ou deixar de escrever coisas importantes só para atingir o número de palavras pretendido

Primeiro vamos deixar claro que eu não estou falando de concursos com limites de palavras, certo? Se as regras do concurso dizem que seu texto tem que ter até 5000 palavras, é isso que ele tem que ter, e nenhum “a” a mais. E claro que não há nada de errado em querer fazer capítulos padronizados, sempre por volta de 2000, 3000, 5000 palavras… isso vai de cada autor.

O problema é quando, para atingir essas metas, o autor fica enfiando coisa que não acrescenta nada na história, prolongando diálogos indefinidamente, ou corta coisas demais, deixando a história muito apressada. Padronização de capítulo todo mundo está livre para fazer, mas ela não é obrigatória, é importante lembrar disso. Se você tiver que escolher entre um capítulo do tamanho X ou um capítulo redondinho, escolha sempre o redondinho. Mais valem 1000 palavras bem escritas do que 5000 que fazem o leitor sentir que está perdendo tempo. Da mesma forma, mais valem 5000 palavras, que passem exatamente a atmosfera que o autor queria passar do que 1000 palavras de um texto todo decepado só para não ficar grande demais.

Lembrem-se, pessoal: escritor é profissão de Humanas (mesmo que o escritor tenha formação em Exatas). Os números não devem nos limitar.

2. Contar a vida inteira do personagem

Eu sei que você ama seu protagonista e que fica encantado imaginando todos os detalhes da vida dele, mas nem sempre precisa contá-los para o leitor. É excelente quando o autor tem aquela intimidade com o personagem, por conhecê-lo bem, de modo que todas as atitudes do personagem ficam coerentes, mesmo as que fogem do previsível.

Por outro lado, o autor não precisa contar todos esses detalhes para o leitor.

Você pode fazer só um recorte da vida do seu personagem, pegando o espaço de tempo sobre o qual quer falar (o período em que ele foi casado, a viagem de férias ao Caribe, o tempo em que ele militou pelo veganismo), e, enquanto desenrola sua história, acrescentar alguns detalhes relevantes sobre o passado dele, seja em flashbacks, sonhos, nas conversas, em lembranças… Tanto faz. O principal é não deixar sua história arrastada. Aquela história que fica quinhentos anos falando de quando o fulaninho era pequeno e como as crianças na escola faziam bullying com ele, e depois ensinando cada etapa de como ele aprendeu a escrever e etc etc etc… É entediante. Fica parecendo que a pessoa está lendo uma biografia e não uma ficção.

Mas há histórias que são nesse estilo mesmo, Érika! E há biografias interessantes!

Concordo, inclusive já li algumas. Livros no estilo de memórias, como as Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Machado de Assis, e as Memórias de Um Sargento de Milícias, de Manoel Antônio de Almeida, têm como objetivo, justamente, contar a vida do protagonista. Mas se o seu livro não é de memórias… Para quê?

Inclusive, mesmo que seu livro seja de memórias, o senso de medida é sempre importante, né. Não importa o quanto você explore a vida do seu personagem, tenha ciência de que, na hora de colocar no papel, o melhor é priorizar só alguns acontecimentos mais importantes, para não entendiar o leitor.

1. Prólogo e Epílogo

Os apaixonados por prólogo vão me linchar por isso, mas em, sei lá, 70% das histórias de iniciantes que li, o prólogo seria totalmente dispensável, está lá de enfeite. Ou então chamam de prólogo algo que, na verdade, é o capítulo 1. Mais recentemente também vi gente chamando de epílogo o que, na verdade, era o último capítulo da história.

Primeiro vamos entender o que são um prólogo e um epílogo e para que eles servem. Se quiser uma definição completa, pode ler este texto (que, de bônus, já os diferencia do prefácio e do posfácio).

Em suma, o prólogo e o epílogo são “capítulos” da sua história que não entram na sequência normal. Eles são trechos destacados da sua história, antes (prólogo) ou depois (epílogo) do encadeamento de fatos que levam o leitor do capítulo 1 para o 2 e assim sucessivamente até o fim do livro.

Difícil de entender? Vamos pegar um exemplo. Sabe o primeiríssimo capítulo da série sobre Harry Potter, “O menino que sobreviveu”? Poderia facilmente ser considerado um prólogo, porque conta uma história que se passa 11 anos antes da história contada em detalhes na saga, mas é essencial para entendê-la. Nele a autora conta sobre como Harry foi entregue à tutela dos tios e revela elementos cruciais que só farão sentido para nós mais adiante, como pistas sobre toda a treta com o Lord das Trevas e os acontecimentos que cercam o nascimento do Harry e a morte dos pais dele. A história propriamente dita só começa mesmo quando Harry faz 11 anos e recebe a carta de Hogwarts.

Já o trecho final do livro 7 da saga, Harry Potter e as Relíquias da Morte, que se passa dezenove anos depois da história principal, poderia ser comodamente considerado um epílogo. Ele dá esclarecimentos interessantes sobre o destino dos personagens, mas também acontece em época diferente do fio condutor da saga, que é toda a luta de Harry com Voldemort, em seus diversos desdobramentos.

No esqueleto hipotético abaixo temos o caso contrário, isto é, um exemplo de prólogo e epílogo usados de forma errada em uma história:

Prólogo: Joana chega em casa e descobre que seu cachorro morreu.

Capítulo 1: A mãe de Joana chega em casa, e elas enterram o cachorrinho.

Capítulo 2: Joana está inconsolável, e a mãe dela decide adotar outro cachorrinho pra ela.

Epílogo: Elas adotam outro cachorrinho e ficam felizes para sempre.

Vê? Na verdade o que se tem é uma história de quatro capítulos, e chamar o primeiro e o último de prólogo e epílogo, além de erro técnico, pode ser um tiro no pé, porque há leitores que pulam prólogos e epílogos. É certo pular? Não, o prólogo e o epílogo são partes do livro, e devem ser lidos. Mas, em tese, eles são partes que não seriam tão necessárias para o entendimento da história.

No nosso primeiro exemplo, se a saga do Harry Potter tivesse começado com ele aos 11 anos embaixo do armário e acabado na batalha de Hogwarts, ainda assim seria uma história completinha e entenderíamos tudo. E essa qualidade de acessório do prólogo e do epílogo parece ser tacitamente presumida pelos leitores, levando alguns a pular esses trechos. Em outros casos, eles pulam porque confundem com prefácio e posfácio, mas aí já é outra história. Recomendo de novo o texto referenciado no começo deste item para entender a diferença.

O meu ponto é o seguinte: sua história precisa de prólogo?

Se não precisa, saiba que NÃO É OBRIGATÓRIO. Melhor não colocar nada, do que colocar errado. Mas encarem os conselhos deste texto todo como esta placa:

Era isso por hoje.

Perdoem o intrometimento e eu espero ter ajudado alguém com essas opiniões de leitora.

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Érika Batista

Escritora, leitora, e tradutora. Conheça meus livros, projetos, portfolio e redes sociais em https://linktr.ee/erika.sbat